quarta-feira, 9 de março de 2011

A CRIAÇÃO AMADORA DE PASSERIFORMES NA REGIÃO SERRANA/RJ

Foto: Dia de visita - HELOISA AHLERT


Na Região Serrana/RJ, na área de atuação do IBAMA Nova Friburgo, composta por 15 municípios (Nova Friburgo, Bom Jardim, Duas Barras, Sumidouro, Trajano de Morais, Carmo, Cordeiro, Cantagalo, Macuco, São Sebastião do Alto, Santa Maria Madalena, Sapucaia, Teresópolis, Cachoeiras de Macacu e Itaocara), existe atualmente uma imensa legião de criadores amadores registrados no SISPASS. Só em Nova Friburgo são exatos 910 criadores, sendo que esse número é sempre crescente.

Os maiores problemas são encontrados nos criadores de trica-ferro, coleiro, canário da terra, azulão, pixoxó, tico-tico entre outros. Já os criadores de curiós e bicudos tendem a ser um pouco mais organizados com menos irregularidades encontradas (em função também de que a captura na natrureza em nossa região é praticamente inexistente) deixando por isso de ser o foco principal em nossas ações de fiscalização.

I - CARACTERÍSTICAS DA CRIAÇÃO AMADORA

Desde a criação do SISPASS pudemos observar algumas características dessa atividade que é regulamentada pelo IBAMA e que era regida pela Instrução Normativa 01/2003, e mais recentemente pela IN 15/2010.

Dentre essas características destacamos algumas:

Da contribuição para o ambiente natural:
Até hoje não se tem registro de qualquer procedimento de entrega/doação espontânea de pássaros por parte dos criadores, referente a animais possivelmente nascidos e não anilhados seja por falta de fornecimento de anilhas pelo IBAMA em tempo hábil, seja por descuido do criador em anilhá-los nos primeiros dias de vida, entre outros motivos.

Não há também registros de projetos, propostas ou mesmo participações de criadores amadores em programas de reintrodução de seus pássaros na natureza.

Por outro lado, há inúmeras denúncias, evidências, fatos concretos, etc... de atos de apanha de pássaros na natureza (por parte de criadores amadores inclusive) e que muitos desses pássaros são anilhados com anilhas das federações e também do IBAMA, todas geralmente adulteradas/clonadas/fora dos padrões/falsificadas.

Isso inexoravelmente nos leva a concluir que a criação amadora de passeriformes não contribui para a perpetuação das espécies em ambiente natural, pelo contrário, apenas há o processo de retirada da natureza e a multiplicação desses animais de cativeiro.

Da destinação dos animais:

Como não há procedimentos de reintrodução na natureza, esses animais criados em cativeiro destinam-se basicamente ao comércio informal, fugindo à regra aqueles pássaros de extremo valor afetivo.

Nesse particular vale dizer que o criador amador considerado MANTENEDOR (aquele que não reproduz, somente cria) dificilmente pratica o comércio informal.

Do comércio:

Esse comércio (tanto os capturados na natureza e “esquentados” com anilhas, quanto os nascidos em cativeiro), se dava sob o “manto” da Instrução Normativa 01/2003, através das “transferências” de pássaros entre criadores amadores( de difícil identificação por parte da fiscalização) e que se manteve na nova Instrução Normativa 15/2010, apenas tendo reduzido o número máximo de transferências anuais. Sabe-se que a proposta inicial do IBAMA era de acabar totalmente com as transferências, mas por pressões dos criadores acabou cedendo.(faça busca na internet, palavras-chave: sispass / passeriformes / transferências / pressões / ibama / normativa)

Dos clubes como agregadores de valor ao pássaro:


O valor, nesse mercado informal, de cada animal difere em função de vários fatores como idade, beleza, mas principalmente em função da qualidade de seu canto, incidindo naqueles que recebem boas colocações nos torneios patrocinados pelos Clubes de Passarinheiros. Ou seja, os torneios realizados nos clube servem também de instrumentos agregadores de valor dos pássaros no mercado informal.

Uma prova irrefutável disso é conseguida bastando perguntar a qualquer criador de passeriformes quanto vale um trinca-ferro, por exemplo. Certamente ele irá responder: “-- Depende, se for de torneio vale mais...”

Dos óbitos:
As declarações de óbitos, ocorrência normal nas criações de animais e que deve girar entorno de 5 a 10% ao ano, via de regra são evitados pelos criadores em declarar isso no SISPASS, visto que ao fazê-lo estes obrigatoriamente devem devolver as anilhas ao IBAMA, o que raramente acontece. E o que se precebe são criadores que têm mais de 10 anos de criação e nunca ou muito pouco declararam óbitos.

Das fugas:


Sobre as declarações de fugas, instrumento mais utilizado, estas acontecem muito frequentemente e em muitos casos em situações bem interessantes e que muitas das vezes são realizadas para ajustar os plantéis sanando assim possíveis irregularidades.

Uma situação interessante observada em todo país foi que na semana em que o IBAMA realizou a operação SISPASS-LEGAL, em outubro de 2008, em que fiscalizou vários criadores amadores, o número de declarações de fugas foi muito alto.

Vale lembrar que as fugas declaradas exigem dos criadores que apenas registrem esses fatos na delegacia. Sabendo disso o IBAMA, agora na nova IN 15/2010, inseriu um mecanismo de avaliação do criador em casos de fugas recorrentes, entretanto com mecanismos e parâmetros de difícil avaliação o que pode comprometer a eficiência dessas avaliações.


O SISPASS e o tráfico de animais silvestres:


A Renctas, uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, que combate o tráfico de animais silvestres, conclui em seu Relatório sobre o tráfico de animais silvestres, que a criação amadora de passeriformes contribui para o tráfico ilegal desses animais, especialmente da classe de passeriformes. Vejam:

“A intensa captura de passeriformes no Brasil é direcionada ao mercado interno. O povo brasileiro sempre manteve especial predileção por aves de gaiola, sendo os pássaros canoros as espécies mais encontradas em cativeiro no Brasil (Santos, 1985; Souza, 1987).
A manutenção dessas aves em gaiolas é tradição muito antiga e arraigada no Brasil. Esse hábito cresceu, se multiplicou e atualmente existem os clubes criadores de pássaros, que organizam disputas destinadas ao julgamento da qualidade dos cantos. Alguns membros desses clubes participam ativamente do comércio ilegal de aves, estimulando a captura crescente de pássaros canoros na natureza” (Coimbra-Filho, 1986). - 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre-RENCTAS

Esse relatório informa a contribuição das aves nesse tráfico, em todas as apreensões de animais. Veja o gráfico:


E dessas apreensões de aves, o relatório informa a quantidade de passeriformes envolvida, que é a mais significativa.


Este mesmo Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre realizado pela RENCTAS também conclui que no Rio de Janeiro o município de Nova Friburgo se destaca como rota do tráfico de animais silvestres além de ser área de apanha e comércio, a exemplo somente dos municípios de Petrópolis e Itaguaí.


Mapa do tráfico de animais silvestres no RJ - RENCTAS

Como a criação amadora de passeriformes foi absorvida pelo SISPASS e com as características observadas nesse sistema, é bem provável que esse tráfico esteja se adequando ao SISPASS e utilizando esse sistema para tentar legalizar essa pratica nefasta para a sociedade.

II - NICHO ECOLÓGICO DOS PASSERIFORMES


Da cadeia alimentar:


Um dos papéis significativos dos pássaros na natureza, e que não é considerado, é a participação desses animais na cadeia alimentar. Os passeriformes servem de alimento para inúmeros animais tais como gambás, guaxinins, iraras, jacarés, jaguatiricas, gatos e cachorros do mato, gaviões, corujas, entre outros... e a retirada da natureza desses pássaros e sua manutenção em gaiolas altera a dinâmica dessa cadeia acarretando disfunções significativas na vida animal.
Além disso, com a retirada dos pássaros da natureza, ocorre também a proliferação de insetos causando danos a agricultura e à população de um modo geral, uma vez que boa parte dos passeriformes se alimentam desses animais.

Essa função essencial dos passeriformes na cadeia alimentar é de certa forma “esquecida” por muitos técnicos especialistas na matéria e da mesma forma esquecida ou desconsiderada pela sociedade em geral tendendo sempre para a “preservação” das espécies sob todos os seus aspectos, onde os atos naturais de predação passam a ser vistos como exemplos de “injustiça” justificando assim intervenções antrópicas preservacionistas alterando essa dinâmica.

Uma das consequências desse fenômeno são as restrições e críticas, não só de leigos, aos procedimentos de soltura/reintrodução de espécies silvestres na natureza, em que não se admitem qualquer sinal de despreparo de um animal que seja, para seu retorno à vida em ambiente livre e que apenas um exemplo encontrado de despreparo para a vida em ambiente livre, é o bastante para inviabilizar todo o plantel e por conseguinte o projeto destinado à reintrodução.

Da contribuição à Vegetação nativa:

Ainda analisando o papel dos passeriformes na natureza, não se pode deixar de citar sua capacidade de disseminador de sementes, propágulos e das polinizações que também ficam prejudicados com sua captura, afetando diretamente a capacidade de auto-regeneração da vegetação nativa.
Assim, não é difícil concluir que a migração dos pássaros da natureza para as gaiolas compromete significativamente toda essa dinâmica ambiental.

III - FALHAS NA GESTÃO DO SISPASS

Não serão abordados aqui os problemas de estrutura de fiscalização dos órgãos ambientais em geral, da falta de CETAS para destinação dos animais, etc...

Trataremos apenas algumas questões de gestão direta do SISPASS.

O sinal evidente de uma precária gestão nesse sistema, como já foi relatado, é o fato de que muitos criadores que desenvolvem suas atividades, manipulam anos a fio inúmeras espécies e quantidades de pássaros, sem declarar no sistema um óbito sequer, fato que seria normal em qualquer criação de animais cujos índices de óbitos podem girar entorno de 05 a 10% ao ano, ou mais.

Além desse, há também o fato de muitos criadores declararem fugas de pássaros em períodos coincidentes com operações de fiscalização realizadas nos bairros/municípios desses criadores.

E com tudo isso o IBAMA, via de regra, tem entregado anilhas a criadores amadores que declararam óbitos e fugas sem sequer terem devolvidos essas anilhas ao Instituto e/ou apresentado o Boletim de Ocorrência (BO) da Delegacia, como exigia a IN 01/2003, e agora a IN 15/2010.

As mensagens de erro que o sistema emite muitas vezes são indicadores de procedimentos suspeitos por parte de quem está operando o sistema do criador, destacam-se os relacionados a declarações de nascimentos de pássaros quando o próprio criador não dispõe de anilhas para tal, declarações de nascimentos bem acima dos 50 nascimentos anuais, entre outros tantos.

As constantes mudanças de endereços do criador indicando a intenção de evitar o pagamento da taxa de transferência do pássaro para outro estado, também é fato recorrente.

E o IBAMA mesmo tendo esse controle do sistema, não desenvolve de forma eficiente qualquer ação utilizando esses indicadores.

Não se pode deixar de citar também a péssima qualidade das anilhas fornecidas pelo IBAMA aos criadores. São anilhas confeccionadas em alumínio e facilmente adulteráveis.

Adultarador de anilhas apreendido pelo IBAMA.

Vistorias realizadas por Fiscais nos plantéis de criadores, sem que sejam aferidas as anilhas através de paquímetros respeitando as medidas internas e externas dos padrões estabelecidos na Norma vigente, são procedimentos comuns na Instituição e que devem ser evitados devido a sua ineficácia.

O IBAMA de Nova Friburgo tem realizado rotineiramente, pelo menos uma vez por mês, visita a criador amador de passeriformes, previamente selecionados no SISPASS através de critérios também previamente estabelecidos tais como: excesso de declarações de nascimentos, grande quantidade de anilhas em sua posse, número expressivo de plantel (> 50 pássaros), presença de trinca-ferros, coleiros e pixoxós, etc... e podemos afirmar que 100% dos casos restam comprovadas principalmente adulterações/falsificações/clonagem de anilhas, entre outras irregularidades.

Fiscalização em um criador amador resultando em multa e apreensão de mais de 70 pássaros.

IV – CONCLUSÃO:

Bem resumidamente esse é o quadro atual do SISPASS em nossa região.

Como está, é fácil verificar que a criação amadora de passeriformes tem sido um instrumento incentivador da captura, exposição e do comércio ilegal desses animais e que o SISPASS não tem atendido de forma satisfatória ao que a legislação de proteção à fauna silvestres preconiza, seja por falhas do próprio sistema ou por falhas na sua gestão.

V – SUGESTÕES ESTRUTURAIS:

Sugestões fundamentais para tentar solucionar esses problemas:
1 – Extinguir a criação amadora de passeriformes transformando-os em mantenedores, proibindo a reprodução em cativeiro e as transferências a terceiros.
2 – Incentivar a criação comercial de passeriformes com cotas de reintrodução de espécies na natureza.


IBAMA em Nova Friburgo/RJ.
Dezembro/2010 – Atualizada em março de 2011.